"Eu nasci e me criei em Fortaleza, na beira de praia. Como é tradicional em qualquer beira de praia, é comum ver-se rodas de capoeira. Meu irmão Ricardo, conhecido como Ricardinho, teve oportunidade de ter um contato com um grupo de rapazes que todo o final de tarde praticavam capoeira, chamada de vadiagem de beira de praia. Logo o Ricardinho passou a fazer parte do grupo, e foi-se destacando por sua agilidade e facilidade de girar a cabeça no chão (peão de cabeça).
No inicio de 1983, eu já tinha uma certa segurança no jogo, e estava mais à vontade numa roda. Na época só existiam dois grupos de capoeira em Fortaleza: Senzala e Zumbi. Existia uma roda de quinta-feira, onde jogavam capoeiristas dos dois grupos. Eu passei então a conhecer os feras da capoeira. De um lado, o grupo Zumbi com Espirro Mirim, Geléia, Jean, Soldado, Lula, Ulisses. De outro lado, o grupo Senzala (Mestre Camisa) com Paulão, Canário, Dingo, Gamela, Araminho, Gurgel. Pude perceber que existia um pouco de rivalidade entre os dois grupos. Fiquei sabendo também que existiam outras rodas na cidade, como a do Mestre Geléia na Barra do Ceará. Minha mãe ficava cada vez mais preocupada comigo, por rodar cada vez mais a cidade atrás de capoeira.
Em 1984, eu não conseguia mais esconder a admiração e a vontade de conhecer um dia uma aula do Mestre Paulão, na Escola de Arte Senzala. Eu via nas rodas que o estilo dele era diferente, me chamava à atenção essa capoeira de muita classe praticada pelo Boneco, Cibriba, Maroca, Bisquim, Atabaque, Querido e Juruna. As acrobacias me enchiam os olhos. Eu decidi então que tinha que participar da escola dessa galera.
Um dia apareceram dois capoeiristas de Brasília no DCE, eles pediram informação sobre o horário e local da aula do mestre Paulão, e eu me ofereci a acompanhar-los. Chegando lá, o Mestre Paulão tinha acabado de terminar a primeira aula, e estava a galera todinha no colégio Capital. O Mestre convidou a gente a ficar para a aula seguinte, e eu nem consegui acreditar nisso. Mostrei então a minha capacidade, e no final da aula pedi informações sobre a mensalidade. Ele me perguntou se estava mesmo a fim de treinar, e eu respondi bem rápido que sim. Como ele já tinha feito com outros garotos, ele me prometeu uma calça e uma camisa. Foi o necessário, para que eu saísse dali maravilhado. O treino era diferente, a movimentação mais fascinante e a roda de se arrepiar todo. Fui fazendo amizade com a garotada, me integrando, e logo fiz parte da equipe de show do Mestre Paulão. No inicio eu era sempre quem carregava o atabaque, fazia os arames dos berimbaus, etc.
Em 1989, mestre Paulão, juntamente com o Mestre Paulinho Sabiá e Mestre Boneco, fundou o grupo Capoeira Brasil. Mas em pouco tempo, nos adaptamos ao novo grupo fundado. Comecei a dar aula quando ainda era corda azul, alguns desses alunos ainda são hoje meus alunos, como Peninha e Marcelo. O local era a Academia Linhas e Curvas, e as aulas aconteciam três vezes por semana. Tive a oportunidade de ter contato cedo com grandes mestres do Brasil. No Grande Encontro de Mestres e Professores de Capoeira, realizado no Center Um, recebi a corda verde. Conheci nessa ocasião grandes nomes da capoeira no Brasil: Mestre João Grande, Mestre João Pequeno, Mestre Suassuna, Mestre Itapoã, Mestre Mão Branca, Mestre Boneco, Mestre Paulinho. Foi assim que nasceu o meu interesse em rodar o Brasil todo atrás de mais conhecimentos e experiências de capoeira.
Em 1992, recebi a corda Marrom, e me tornei Formando. Foi nessa época que o Mestre Paulão decidiu morar na Holanda, Europa. Essa foi uma experiência que marcou muita a minha vida como capoeirista, pois passei a ser um dos cabeças do grupo em Fortaleza, juntamente com Mestre Zebrinha, Marcão, Kim, Envergado, Cibriba, Ferrim, Serê. Foi um grande desafio da parte do Mestre Paulão, e foi a porta que abriu para os contatos do grupo na Europa. Para o grupo Capoeira Brasil do Ceará foi difícil no inicio, mas em pouco tempo conseguimos levantar a cabeça, e o trabalho se solidificou novamente. E iniciou-se minhas viagens para fora do Brasil. A minha primeira viagem foi um mês na Alemanha. E depois inúmeras vezes a vários países da Europa como a França, Holanda, Espanha, Bélgica, Alemanha, Inglaterra.
Em 2001, me tornei Formado Ratto ao receber a ultima corda do grupo, a corda preta. Esse dia foi um dos dias mais importantes da minha vida, pois foi o reconhecimento de 19 anos de trabalho dedicado à capoeira. Foi um momento inesquecível, uma grande satisfação de receber essa corda na presença de Mestres ilustres como o Mestre Itapoã, Mestre Paulinho Sabiá, Mestre Boneco, Mestre Tony Vargas."