A história da capoeira começa no princípio da nação brasileira fruto das características do ambiente e da forma em que foram processadas as relações entre os conquistadores europeus, os índios e os africanos. No entender do descobridor o novo mundo deveria ser explorado em todos os aspectos a fim de suprir suas necessidades de riqueza na Europa. Para tanto se precisava de mão de obra.
Mão de obra suficiente para a construção do império, para o trabalho na lavoura e para qualquer outro tipo de trabalho braçal. Após a fracassada tentativa de utilizar mão de obra indígena foram trazidos os primeiros escravos da África para o Brasil (meados do séc. XVI). Desde meados do século XV os portugueses já praticavam o tráfico de negros da África. Embarcados nos portos da África viajavam nos porões dos navios negreiros chamados "tumbeiros", amontoados como coisas, na mais completa promiscuidade, inúmeros africanos morriam em razão dos maus tratos e doenças, dos ferimentos diversos e ainda sucumbindo ante a condição desumana a que eram submetidos.
A dor intensa causada pela perda da liberdade, o afastamento de tudo que lhes era caro, provocava o banzo (sentimento de revolta, dor, pesar e nostalgia). Depois vinha a morte. Na chegada às terras brasileiras os negros eram leiloados. Trabalhavam nas lavouras e tarefas domésticas nas casas dos senhores e viviam nas senzalas. Na senzala e na casa grande, onde moravam os donos dos engenhos, o proprietário era o senhor absoluto.
Os negros eram submetidos aos trabalhos forçados e cabia aos feitores estabelecer a disciplina e garantir a produtividade dos escravos. Nos séc XVI e XVII o Rio de Janeiro, Salvador e Recife foram os mais importantes centros receptores de negros sudaneses - como os iorubás, geges, haussas e minas; de negros bantos - como os angolas e os cabindas - e de negros malês, de idioma árabe e islamizados.
Arrancados à força da sua terra, uma vida de sacrifícios os aguardava: trabalho árduo de sol a sol nas grandes fazendas. Tão grande o esforço que um africano sobrevivia em média de 7 a 10 anos. Chegar ao Brasil já era uma demonstração de incrível resistência: cerca de 40% dos negros pereciam na viagem. Como pagamento pelo seu trabalho os escravos recebiam os mais variados castigos e punições inimagináveis sem qualquer compaixão.
E reagiam. Em troca dos tormentos, assassinavam feitores, suicidavam-se, evitavam a reprodução, eliminavam capitães do mato e mesmo proprietários. A resistência se manifestava também nos seus cultos. Dançar, batucar, rezar e cantar eram modos encontrados para alívio da asfixia da escravidão. As fugas eram constantes e cabia aos capitães-do-mato recapturá-los, de preferência com vida, para retornarem ao cativeiro, mas se preciso mortos - para servirem como exemplo e desencorajar novas tentativas.
O ambiente das senzalas era o que restava aos negros para tentar a preservação da sua dignidade humana, até que surgisse a oportunidade de fuga. Sob o disfarce de cantigas e danças, ao som dos atabaques, sobreviviam suas crenças e ritos, como inocentes formas de diversão e de onde nasceria o jogo da capoeira.
As fugas dos escravos se tornaram cada vez mais organizadas. Livre, o terreno de pouco mato era ideal para continuarem livres e lutarem contra seus perseguidores. A vegetação rasteira de nome tupy caapuera iria dar o nome a seus guerreiros e sua luta: Capoeira. Nas matas, os negros que conquistavam a liberdade formavam quilombos, onde viviam segundo regras próprias. Estas comunidades foram numerosas desde meados do séc XVI, existindo em todas as capitanias e principalmente na região de Pernambuco e Alagoas onde existiu uma verdadeira nação, conhecida como Palmares (veja em seguida).
"No tempo que o negro chegava fechado em gaiola/ Nasceu no Brasil/ Quilombo e Quilombola/ E todo dia/ Negro fugia/ juntando a corriola/ De estalo de açoite, de ponta de faca e zunido de bala/ Negro voltava pra argola/ No meio da senzala/ E ao som do tambor primitivo, berimbau, maraca e viola/ Negro gritava: abre ala, vai ter jogo de angola". "Dança guerreira/ O corpo do negro é de mola/ Na capoeira ele embola e desembola/ E a dança que era uma festa pro povo da terra/ Virou a principal defesa do negro na guerra/ Pelo que se chamou: Libertação/ E por toda força, coragem e rebeldia/ Louvado será todo dia/ Que este povo cantar e lembrar o jogo de Angola/ Da escravidão do Brasil".
Mauro Duarte & Paulo César Pinheiro
Acredita-se que foi assim o início da capoeira, a partir das senzalas, das fugas para os quilombos e para se defenderem, fazendo do próprio corpo uma arma. Não existem indicações de que a Capoeira tenha se desenvolvido em qualquer outra parte do mundo. Também não existem relatos históricos a respeito da capoeira nos séculos XVI a XVIII. Sendo difícil reconstruir o processo que levou a capoeira do campo à cidade.
Acredita-se que este processo ocorreu pelo início do séc XIX, uma vez que datam deste período as primeiras referências históricas referentes aos capoeiras das cidades. No século XIX, os principais centros históricos da capoeira eram Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Inicialmente, era nas festas populares que os capoeiras se encontravam. Era onde podiam relaxar do trabalho forçado, das torturas e esquecer sua condição de escravo, assim, era comum vê-los fazendo arruaças pouco se importando de estarem perturbando.
Com o passar do tempo aumenta a fama de lutador do capoeirista, vestindo-se de maneira particular, calças de boca larga ou pantalona, chapéu de lado e argola na orelha como insígnia de força e valentia. Eram capazes de fazer grandes desordens em segundos e conseguir escapar ilesos, o capoeira se oferece mercenariamente para assassinatos e emboscadas e passa também a ser usado pelos políticos como capangas e são temidos até pela própria polícia. Durante a metade do século XIX, a capoeira era essencialmente praticada pelos escravos, mas a partir de 1850 começa também a integração de libertos e livres muitos dos quais brancos, sendo alguns membros da elite e inúmeros estrangeiros, predominantemente de portugueses.
De 1865 a 1870 acontece a guerra do Paraguai, onde muitos capoeiras são enviados para a frente de batalha e voltam como heróis pelo sangue frio e astúcia que demonstraram nos campos de batalha. O capoeira dessa época tinha por escola as praças e ruas formando bandos perigosos são identificados como criminosos profissionais, o nome capoeira é associado ao malandro, desordeiro, ladrão. Com a chegada da República, em 1889, o Marechal Deodoro da Fonseca, pressionado pela crescente onda de criminalidade, inicia uma campanha de combate à capoeira. Em 11 de outubro de 1890 foi promulgada a lei nº 487, de autoria de Sampaio Ferraz, proibia a prática da capoeira e previa pena de 2 a 6 meses de trabalho forçado na ilha de Fernando de Noronha. No artigo 402, lia-se: "Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação de capoeiragem; andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordem, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal. Pena - prisão celular de dois a seis meses. Parágrafo único: é considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a algum bando ou malta. Aos chefes e cabeças se imporá a pena em dobro".
Esta situação vai se arrastando até 1932 quando Mestre Bimba tira a capoeira das ruas e a coloca nas academias, onde os ensinamentos são aprimorados e as exibições começam a ser vistas por camadas sociais superiores. Assim, a história da capoeira passa por transformações profundas. A classe média e a burguesia correm para as academias, a princípio para assistir e depois para aprender e praticar. Daí, a nove de julho de 1937 o governo oficializa a capoeira dando a Mestre Bimba um registro para sua academia.
Um status social superior invade as academias afugentando aqueles capoeiras conhecidos por desordeiros. Os que resistem e continuam a freqüentar se esforçam para se enquadrar no novo perfil que a capoeira toma. Assim, inicia-se sua ascensão socio-cultural, voltando ao cenário cultural, está presente na música, nas artes plásticas, na literatura, nos palcos. Antes, uma atividade praticada quase que exclusivamente por homens, passa a ser praticada também por mulheres e crianças. Em 1973 é reconhecida oficialmente como esporte nacional. Daí em diante não para de crescer e se expandir adquirindo cada vez mais adeptos de todas as raças e camadas sociais do Brasil e de todo o mundo.
A capoeira surgiu no Brasil como forma de resistência dos escravos negros. Foi um instrumento de libertação contra um sistema dominante e opressor. Hoje é uma das mais ricas heranças legadas por nossos ancestrais africanos: digna e alegre expressão da cultura afro-brasileira que hoje tem seguimento e adeptos espalhados por todo mundo. |